Sunday, April 18, 2010

Nove Consciências – 1º Parte

Nove Consciências – 1º Parte

AGOSTO DE 2003 — EDIÇÃO Nº 420

Convidados: Jose Luiz Pietro do Nascimento, vice-coordenador da DS da BSGI; Maria José de Melo Oliveira, coordenadora Geral da DF da BSGI, Yumi Cintia Uno, vice-coordenadora da DFJ da BSGI.

Terceira Civilização - A teoria das nove consciências é um tema complexo, mas muito interessante, desenvolvido pelo Grande Mestre Tient'ai da China que permite compreender vários aspectos da vida como a questão do carma e dos sofrimentos.

José Luiz Prieto do Nascimento - Sem dúvida, é um tema interessante e muito oportuno a ser levantado após o estudo sobre os três mil mundos num único momento da vida ou itinen sanzen (edições de maio, junho e julho). Acredito que, para compreendermos um princípio ou uma teoria budista, a melhor maneira seja procurarmos primeiro percebê-lo em nossa vida diária. Das nove consciências, as cinco primeiras são fáceis de entender, pois estão associadas às nossas percepções sensitivas: a visão, o tato, o paladar, a audição e o olfato. São os meios pelos quais recebemos as informações do nosso mundo exterior. A sexta refere-se à nossa mente, que integra os cinco sentidos e realiza julgamentos relativamente simples com base em noções gerais. Ela procura encontrar a ordem e as leis valendo-se de experiências passadas e circunstâncias externas para fazer um julgamento. Nossas ações diárias são frutos do funcionamento integrado dessas seis consciências. Associando-as à teoria dos dez mundos ou dez estados de vida, elas corresponderiam aos seis primeiros mundos ou seis caminhos: Inferno, Fome, Animalidade, Ira, Tranqüilidade e Alegria.

Maria José de Melo Oliveira - Para melhor compreensão, poderíamos citar como exemplos as ações de abrir a torneira ou apagar a luz. Essas ações remontam a um conhecimento que adquirimos em algum momento, talvez na infância, em que ficou registrado que, se girarmos a torneira, sairá água, ou que a luz acenderá se apertarmos o interruptor. Sabemos distinguir cores, aromas, formas, sons e sabores porque tivemos experiências. Todas essas informações ficam armazenadas e, sempre que necessário, são processadas em nossa mente para que formulemos nossas ações. Em resumo, as seis primeiras consciências são como funções que se manifestam a todo instante em resposta às nossas atividades e necessidades humanas.

Yumi Cintia Uno - A mente é um assunto vasto e fascinante. Mesmo hoje, apesar de todo desenvolvimento tecnológico e científico, o funcionamento da mente humana é ainda um dos mistérios mais intrigantes e complexos a serem desvendados pela Ciência. E o budismo, muito antes do surgimento dos computadores, psicanalistas e psicólogos, já abordava esse assunto, elaborando uma teoria profunda para explicar várias questões relacionadas à vida e à felicidade das pessoas. Isso é realmente admirável.

Maria José - É verdade. Quanto mais estudamos o budismo, mais reconhecemos a sua profundidade, e conforme compreendemos os princípios budistas e a relação que existem entre eles, passamos a enxergar nossa vida de uma perspectiva mais elevada e a entender as diversas circunstâncias de nosso dia-a-dia. A teoria das nove consciências é importante por explicar a origem de nossos sofrimentos, o que nos leva a agir de uma determinada maneira ou ter uma determinada reação diante dos acontecimentos do cotidiano, a influência das tendências cármicas na nossa vida, ou seja, tem tudo a ver com aquilo que somos.

Yumi - Por meio dessa teoria, compreendemos melhor como o Nam-myoho-rengue-kyo age em nossa vida e como ele possibilita todas as pessoas a tornarem-se felizes, transformando tendências de vida negativas em positivas e realizando a revolução humana.

Prieto - Ao iniciar a prática budista, geralmente os pontos que mais interessam às pessoas referem-se à morte, a Deus e ao carma. Principalmente as pessoas que abraçaram outras crenças ocidentais têm certa resistência em aceitar que todos os sofrimentos da vida presente decorrem de causas feitas por ela mesma nesta e em existências passadas. Primeiro, porque, para muitos, a idéia de vida eterna é novidade, segundo, porque acostumaram a acreditar que sua vida era completamente guiada e determinada por fatores externos, como desígnios de um ser superior. Então assumir a responsabilidade de todos os seus problemas é muitas vezes revoltante, por achar injusto ter de sofrer devido a algo que um "outro" fez no passado e de não se recordar de ter feito algo que mereça tal "castigo". Mesmo possuindo muitos anos de prática budista, ainda podemos nos flagrar lamentando essa "vida injusta", das circunstâncias desalentadoras. Isso aconteceu até comigo. Minha família converteu-se ao budismo devido à doença e esse problema vira e mexe se evidencia em nossa vida. Eu tive sérios problemas de saúde que me levaram à beira da morte por algumas vezes. Houve momentos em que pessoas da família, mesmo sendo veteranas, desabafaram: "Puxa, nós não merecemos tudo isso que estamos passando. Ninguém merece passar por tanto sofrimento." Nessas ocasiões, tivemos de nos valer das orientações e dos incentivos de nosso mestre e dos companheiros, e também buscar respaldo em tudo o que havíamos aprendido até então com o estudo do budismo. Tive serenidade para dizer: "Se estamos passando por esse tipo de problema é porque existe uma causa para isso em nossa vida. Enquanto não cortarmos a raiz do problema, ele sempre se manifestará." Com isso, todos pudemos renovar a decisão e conseguimos ultrapassar as mais difíceis situações. O gostoso do budismo é que, por meio da consciência e da seriedade perante à vida, não nos permitimos ficar passivos mesmo diante dos piores obstáculos. Pelo contrário, sentimos vontade de nos empenhar ainda mais para vencer tudo, porque sabemos que somos capazes.

Yumi - A oitava consciência, alaya (em sânscrito), é o repositório do carma de todas as nossas existências, é onde ficam guardados todos os registros de nossas causas. Por essa razão, não adianta xingar nem espernear (risos). É claro que não nos recordamos de nada, mas tudo o que fizemos, falamos e pensamos, todas as causas feitas em nossa existência infinita em todos os seus ciclos de nascimento e morte estão marcadinhos ali. Nesse domínio, que se encontra nas profundezas insondáveis da nossa vida, milhões de registros tanto bons como maus estão guardados e não podem ser transformados simplesmente por força do pensamento, por mais intenso que seja. Essa consciência corresponde ao estado de vida de Bodhisattva, que está constantemente em luta contra o mal interno por meio da prática pelo bem das outras pessoas. Somente quando rompemos as barreiras do egoísmo e dedicamos a vida aos outros é que podemos afetar verdadeiramente essa consciência alaya. Além disso, para transformarmos as causas negativas do passado, que justamente são as raízes de nosso sofrimento, necessitamos recitar o Nam-myoho-rengue-kyo com toda sinceridade.

Maria José - O budismo é realmente maravilhoso, pois nos torna fortes diante das circunstâncias negativas e da impermanência da vida. Permite que cada um descubra seu verdadeiro potencial inerente e coloca todas as pessoas em condição de igualdade, independentemente de raça, cor, origem, gênero, nível social ou cultural e das circunstâncias, pois todas as pessoas, sem exceção, têm o direito de serem felizes. Ele não só explica de modo convincente o porquê de nossos sofrimentos como também ensina como podemos torná-los algo positivo para nossa vida, para que possamos ser mais felizes, e desenvolver nossa capacidade como seres humanos. Mas o melhor de tudo é que conseguimos comprovar sua veracidade por meio da nossa própria experiência, aplicando as teorias na prática. É realmente uma filosofia completa.

Yumi - Falando em igualdade, é na nona consciência, chamada amala (em sânscrito), que todas as pessoas se igualam. Nessa consciência, encontramos o estado imaculado de nossa vida, o estado de Buda, que todos possuem.

Prieto - A nona consciência é a que possibilita todos tornarem-se felizes, independentemente das diferenças que possam existir em todas as demais consciências. É o estado de Buda que almejamos alcançar por meio de nossa prática, da recitação do Daimoku ao Gohonzon. Somente a recitação do Nam-myoho-rengue-kyo possibilita nos desvencilharmos de todas as complexas malhas do carma e penetrar na nona consciência para encontrar o caminho do estado de Buda, com o qual podemos manifestar nosso ilimitado potencial inerente à vida. Assim, atingimos a infinita sabedoria do Buda e conseguimos canalizar todas as funções das outras oito consciências para nossa iluminação e em benefício de todas as pessoas e do ambiente a nossa volta, conforme vimos no princípio de itinen sanzen. Se não existisse a nona consciência, não teríamos como ser felizes, pois seria impossível combater os efeitos das causas negativas do passado acumulados na consciência alaya. Por estarmos vivos, a todo momento estamos fazendo novas causas, por essa razão, a nossa prática e as atividades em prol do Kossen-rufu, pela felicidade das pessoas, são oportunidades que temos para amenizar e até mesmo transformar nossa tendência de vida para sermos verdadeiramente felizes nesta existência.

Yumi - Não só a oitava consciência, na qual estão todos os nossos registros de ações, mas a sétima, a mano (em sânscrito), tem grande influência em nossa vida. A consciência mano (também conhecida como manas) comanda nossas sensações e nossos preconceitos. É uma função do pensamento que opera por nossa própria iniciativa, independentemente das condições externas e está profundamente ligada ao nosso ego. A consciência mano corresponde aos estados de Erudição e Absorção pela sua propensão ao egoísmo, à arrogância e ao auto-apego. Essa consciência pode ser comparada ao que Freud definiu como inconsciente individual. Nessa consciência é que manifestamos por exemplo a maneira como concebemos um determinado fato ou como nos portamos diante de uma situação. Ela é conhecida também como a consciência do "apego" e do "amor-próprio". Associada à tendência cármica que se encontra na oitava consciência, é a consciência mano que nos leva a reagir de determinado modo e que produzirá novas causas em nossa vida. É um pouco complicado, mas é algo que podemos perceber se prestarmos atenção ao nosso redor. Por que para um determinado acontecimento as pessoas agem de maneiras distintas? É porque cada indivíduo tem uma maneira diferente de conceber aquele acontecimento em sua mente, cada um sente de maneira diferente e a reação é expressa de acordo com essa sensação.

Maria José - Podemos citar um exemplo que acredito que já tenha acontecido com a maioria: sentir uma antipatia imediata ou uma grande simpatia por alguém que acabamos de conhecer. Por que isso acontece se nem sabemos como essa pessoa é? Essa é uma reação baseada em algo que está gravado nas profundezas da mente que remonta a algum outro momento da vida. Alguma informação previamente registrada em nossa vida, um preconceito, que nos informa que alguém com aquela característica ou nos fez sentir muito bem ou muito mal no passado e é isso que nos vem à tona. Essa sensação determina a maneira como iremos nos relacionar com essa pessoa.

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